Em um movimento surpresa que agitou o cenário musical no encerramento de 2025, o rapper paulistano apresenta uma obra densa, marcada pela nostalgia e pela reverência aos pilares da cultura de rua.
O final de 2025 reservou um capítulo fundamental para a história recente do Rap Nacional. Sem o alarde de grandes campanhas publicitárias, mas com o peso de quem já se consolidou como um dos maiores letristas da língua portuguesa, Emicida disponibilizou nas plataformas digitais o álbum “Racional Vol. 2 – Mesmas Cores, Mesmos Valores”. O projeto, lançado na última semana, não apenas revisita a estética sonora que formou o caráter do artista, mas estabelece uma ponte direta e declarada com o legado dos Racionais MC’s, grupo que definiu a identidade do hip hop em São Paulo e no Brasil.
A recepção da obra ganhou contornos de consagração imediata quando os próprios integrantes dos Racionais MC’s vieram a público elogiar o trabalho. Em um cenário onde o conflito de gerações muitas vezes fragmenta o movimento, a validação de Mano Brown, Edi Rock, Ice Blue e KL Jay funciona como um selo de qualidade e autenticidade. O novo disco de Emicida é descrito não como uma cópia ou uma tentativa de emulação, mas como uma extensão filosófica do universo abordado no clássico “Cores & Valores” (2014) do quarteto do Capão Redondo, misturada à mística da fase “Racional” de Tim Maia. É a música urbana brasileira olhando para o retrovisor para entender como seguir adiante.
Sonoramente, o álbum se distancia das experimentações pop e solares vistas no premiado “AmarElo”. Em “Racional Vol. 2”, o clima é mais denso, introspectivo e, por vezes, cru. A produção aposta em samples que evocam a soul music brasileira dos anos 70 e as batidas secas do rap dos anos 90, criando uma atmosfera que a crítica especializada já classifica como “saudosismo ativo”. Não é uma nostalgia paralisante, mas sim uma ferramenta para discutir o presente. As letras abordam a manutenção da essência em tempos de algoritmos e a responsabilidade de quem segura o microfone diante de uma audiência cada vez mais fragmentada.
A narrativa do disco transita pela memória afetiva de Emicida, transformando lembranças pessoais em crônicas coletivas. Há uma clara intenção de documentar a passagem do tempo, refletindo sobre o que mudou na “quebrada” e o que permanece imutável — daí o subtítulo “Mesmas Cores, Mesmos Valores”. O artista utiliza sua lírica afiada para costurar referências que vão da literatura periférica aos bailes black, reafirmando seu papel de intelectual orgânico que não perdeu a conexão com o asfalto. É um trabalho que exige atenção do ouvinte, fugindo da lógica do consumo rápido e descartável que impera no streaming.
Para o mercado fonográfico e para os fãs, o lançamento reafirma a posição de Emicida como um elo vital entre a “Velha Escola” e as novas tendências. Ao buscar inspiração explícita nos Racionais MC’s e receber o aval dos mestres, ele demonstra que a reverência é a base para a inovação consistente. “Racional Vol. 2” encerra o ano musical de 2025 com uma mensagem poderosa: a evolução do rap não necessita do apagamento de sua história; pelo contrário, é na profundidade das raízes que a árvore encontra força para continuar crescendo.










