Em um ano marcado pela ausência do Hip Hop no topo das paradas e discussões sobre a estagnação do gênero, o lendário grupo de Long Island entrega uma obra-prima póstuma que celebra a vida de Trugoy The Dove e reafirma a força da Era de Ouro.
O ano de 2025 entra para a história como um período de reflexão forçada para a cultura Hip Hop. Pela primeira vez em 35 anos, o gênero não emplacou uma única música no Top 40 da Billboard, alimentando debates acalorados sobre uma suposta “fadiga do rap”. Enquanto o público demonstra sinais de exaustão com a repetição de fórmulas comerciais e a ostentação vazia que dominou o mainstream nas últimas décadas, a resposta para essa crise criativa não veio de um novo viral do TikTok, mas de veteranos que ajudaram a construir os alicerces do movimento. Lançado no final de novembro pela Mass Appeal, o álbum “Cabin In The Sky” marca o retorno do De La Soul em uma celebração agridoce, porém vibrante, que prova que a autenticidade nunca sai de moda.
A obra carrega um peso emocional inevitável: é o primeiro projeto do grupo desde o falecimento prematuro de David Jolicoeur, o Trugoy The Dove, em 2023. No entanto, quem espera um disco fúnebre ou mergulhado em melancolia será surpreendido. Sob a batuta de Posdnuos e Maseo, “Cabin In The Sky” é construído como uma conferência espiritual sobre “a vida e o além”, narrada pelo ator Giancarlo Esposito. A voz de Dave ecoa por todo o álbum, não como um fantasma, mas como uma presença viva, integrada organicamente às faixas através de gravações inéditas que mantêm a promessa feita na faixa de abertura: “quando você vê Pos e Maseo, a mágica sempre será três”.
Musicalmente, o disco funciona como um antídoto para a sonoridade cinzenta e industrial que permeou os lançamentos recentes. O grupo resgata a essência colorida e jazzística da Native Tongues, entregando o que a crítica internacional já classifica como um “raio de sol” em meio à tempestade. A lista de convidados é, por si só, um evento histórico: nomes como Black Thought, Common, Pete Rock, Killer Mike e Q-Tip se juntam à festa. Destaque absoluto para “Run It Back!”, faixa que traz uma colaboração afiada com Nas e utiliza um sample ousado de “Every Little Thing She Does Is Magic”, do The Police. A produção, dividida entre o próprio grupo e lendas como DJ Premier e Supa Dave West, equilibra nostalgia e frescor, lembrando ao ouvinte por que o sample é uma forma de arte.
Mais do que um tributo a um amigo que partiu, “Cabin In The Sky” posiciona-se como um manifesto de resistência cultural. Em um mercado onde o vinil de lançamentos novos chega a custar 50 dólares (cerca de R$ 280 na cotação atual) e a experiência musical é muitas vezes fragmentada, o De La Soul oferece um álbum coeso, pensado do início ao fim. Faixas como “Good Health” e “A Quick 16 For Mama” focam na integridade e na gratidão, fugindo dos clichês de violência e materialismo. O resultado é um trabalho que não tenta competir com as tendências efêmeras de 2025, mas que, paradoxalmente, soa mais urgente e necessário do que qualquer hit fabricado por algoritmos.
Ao final da audição, fica a sensação de que o De La Soul não apenas honrou o legado de Trugoy, mas também ofereceu um caminho para o futuro do rap: olhar para trás não para viver de passado, mas para recuperar a alma que se perdeu no processo de massificação. Se a indústria buscava uma cura para a “fadiga do rap”, ela acaba de ser entregue por três rapazes de Long Island que, mesmo separados pela morte, continuam operando na frequência mágica da unidade.









